Quando a gente vê filmes antigos (início dos anos 90 pra trás) e acontece algum efeito de energia – tiro de laser, relâmpagos e raios, por exemplo – provavelmente estamos diante de um trabalho artístico, artesanal e super elaborado, feito por uma pessoa muito experiente na área da animação.
Pegue por exemplo os filmes originais do Star Wars. Toda vez que um tiro cruza a tela, alguém animou aquele “risco”, quadro-a-quadro, provavelmente com lápis em folhas de papel, que foram filmadas com um filme de alto-contraste, ficando apenas o traço preto com o fundo branco. Isso depois era invertido, deixando um risco branco com o fundo preto, formando uma máscara que em seguida é aplicada em cima da cena previamente filmada. Alguns outros processos analógicos, como o uso de filtros e desfoques na lente eram utilizados pra colocar cor e brilho.
Com tempo, essa abordagem artesanal foi infelizmente dando lugar à computação gráfica, que consegue fazer o trabalho mais rápido. Hoje em dia, o After Effects, por exemplo tem uma ferramenta pronta de relâmpagos, onde você apenas marca o início, o fim e configura como vai querer o raio.
Mas esse tipo de abordagem, apesar de mais rápido, deixa esse efeito muito seco, sem personalidade. Sei que parece estranho falar em personalidade pra um relâmpago, mas se você lembra da cena do De Volta Para o Futuro, onde o raio corre pelo cabo, você entende o que eu quero dizer.
No meu filme The Gapvoid, todos os efeitos de energia foram animados quadro-a-quadro. Cada tiro e “foguinho” na turbina da nave foi desenhado um quadro por vez, direto no computador em um programa de animação 2d em cima da cena já pronta. Não é um efeito realista, mas tem a “personalidade” que é tão legal.
Já no meu filme Termal Nìvel 5, eu usei as duas técnicas. Tem cenas que eu usei o raio automático do After Effects e outras cenas fiz a animação quadro a quadro. E não tem jeito: a animação quadro-a-quadro é muito mais legal de ver na tela.
Infelizmente essa abordagem artesanal para este tipo de efeito é cada vez mais rara. Um exemplo recente que eu lembro é a série Arcane, na Netflix, onde tem vários efeitos de energia, fumaça, explosão e raios feitos com desenhos 2d quadro-a-quadro. Ali tem personalidade.
Você consegue ver uma boa explicação sobre o processo original neste vídeo do pessoal do “Slice of Life”:
Nos meus filmes eu sempre tento usar miniaturas no lugar de computação gráfica. Acho que as miniaturas tem uma certa magia, tanto na hora de fazer quanto na hora de assistir ao filme.
Filmando miniatura para o meu filme Termal Nível 5
Mas, para as miniaturas funcionarem bem no cinema precisam despertar no público um sentimento que é chamado de “sensação de escala”. Isso acontece quando você olha pra uma miniatura, mas ela é tão bem feita e tão bem filmada que você compra a ideia de que está diante de um objeto gigantesco e nem percebe que se trata de uma miniatura.
Este navio do filme Contatos Imediatos do Terceiro Grau é uma miniatura que foi colocada perto da câmera, fazendo um truque chamado “perspectiva forçada”. Ótimo exemplo de sensação de escala.
Mas pra que a sensação de escala aconteça, é preciso respeitar alguns pontos na miniatura:
Ela precisa ser muito bem feita – é preciso ter uma atenção especial a detalhes, respeitando a proporção ao seu correspondente do mundo real. Uma porta, por exemplo, não é apenas um buraco na parede. É preciso ter marco, dobradiças, maçaneta, a textura da madeira, além de possíveis sinais de desgaste.
Miniatura utilizada em Blade Runner – isso sim é atenção aos detalhes!
É preciso respeitar uma distância mínima – cada miniatura tem um limite até onde você pode se aproximar sem perder a ilusão. Quanto mais próximo, mais detalhada ela precisa ser, mas sempre tem um ponto a partir do qual você já consegue ver a textura do material e pequenas imperfeições, que acabam com a sensação de escala.
Luke, é você? Miniatura usada em O Império Contra Ataca. Se chegar muito perto começa a ver coisas que não deveria.
É preciso ter uma grande profundidade de campo – este é um dos pontos mais importantes e mais difíceis quando se trabalha com miniaturas. A profundidade de campo é a área da sua imagem que está em foco. Quando você aproxima a câmera muito de um objeto, a imagem tende a ficar com grandes áreas desfocadas e uma pequena parte em foco. Isso denuncia na hora que estamos diante de uma miniatura. É preciso ajustar o equipamento e a iluminação para que o objeto inteiro esteja em foco.
Nesta cena do Star Wars – Uma Nova Esperança, a miniatura do star destroyer tinha mais ou menos 1 metro de comprimento e ficou em foco por toda sua extensão! Magos da filmagem em ação!
É preciso respeitar a velocidade de locomoção – quando um objeto muito grande se move distante de você (como um avião passando no céu), a sensação que dá é que ele está bem devagar. Por isso é muito comum filmar em câmera lenta miniaturas que se movem.
Ótima cena do Superman (1978) com várias miniaturas filmadas em câmera lenta pra reforçar a sensação de escala.
As miniaturas ainda apresentam alguns desafios de logística, porque elas podem quebrar, o material se desgasta se não for bem cuidada, muitas vezes são feitas com material sensível e as luzes fortes necessárias nas filmagens podem empenar e até derreter as miniaturas se não tomar cuidado.
Mas mesmo com todas estas questões, se você fizer o trabalho bem feito e souber enquadrar e filmar sua miniatura corretamente, você tem uma cena magnífica que vai sustentar a sensação de escala por décadas no seu filme.
A partir dos anos 90, com a popularização da computação gráfica, as miniaturas foram gradualmente sendo substituídas por versões digitais. Mas curiosamente, a miniatura em CG também tem que despertar a sensação de escala no público e com isso precisa seguir as mesmas regras. A diferença é que você não tem os mesmos problemas de logística: elas não se deterioram nem se quebram, desde que você faça um backup dos arquivos. A grande profundidade de campo também é facilmente conseguida na computação gráfica.
O problema da computação gráfica é que 100% da imagem precisa ser construída do zero pelo computador. Inclusive a luz e sombra são simulações. Com isso, é muito difícil atingir um nível de realismo necessário pra acontecer a sensação de escala. Assim, a computação gráfica acaba sendo mais exigente. Na computação gráfica não tem meio termo: ou é 100% perfeita ou todo mundo vai achar tosco.
Na computação gráfica, ou é 100% ou fica parecendo video-game.
Com isso, existe um outro fenômeno muito comum que é o amadurecimento do olhar do público. Uma imagem em computação gráfica que parece ultra realista hoje em dia, alguns anos depois pode parecer altamente falsa. Eu por exemplo, olho pro Avatar (2009) hoje em dia e parece que eu estou diante de uma cena de video-game. Em contra partida, o ataque à Estrela da Morte no Retorno de Jedi me convence até hoje, mais de 40 anos depois.
Retorno de Jedi (1983) – Essa cena absurda foi toda feita com miniaturas! Imbatível até hoje!
Um ótimo exemplo do uso inteligente da computação é o filme Jurassic Park: a grande maioria dos dinossauros são bonecos reais. Apenas 5 minutos de computação gráfica foi usada no filme todo. Eles sabiam exatamente onde usar e principalmente onde não usar porque tinham consciência das limitações da técnica. Por isso ele se sustenta muito bem até hoje, mais 30 anos depois da estreia.
Além de todas estas questões, a computação gráfica ainda gerou um efeito colateral: a diminuição da personalidade dos filmes, ao tornar tudo possível de forma relativamente fácil, desde que você tenha grana. Mas isso é assunto pra um outro post.
Por enquanto, eu posso dizer que prefiro as miniaturas, porque elas existem no mundo real. A luz, a sombra, a textura, já tá tudo lá e isso é pelo menos a metade do negócio. E é uma maneira de conseguir realismo quando não se tem muita grana pra produzir o filme.
Sem falar que trabalhar com miniaturas é sempre mais divertido do que ficar apertando zilhões de botões no computador.
Modelo como sai da impressora 3D.
Pintura final.
Miniatura pronta para filmar.
Filmando a miniatura com um monitor funcionando como fundo verde.
O nome “Setor 29” me acompanha há muito tempo. Desde criança eu tenho pretensão de escrever histórias, inventar personagens, desenhar e a maneira mais avançada de contar histórias pra uma criança daquela época (sem tecnologia), era a história em quadrinhos. Então eu escrevia e desenhava várias histórias em quadrinho, sendo que quase nunca chegava até o fim e já começava outra.
Porém, quando a gente cresce e passa a ter um olhar mais adulto e crítico, percebe que as histórias eram muito ruins! Personagens superficiais, histórias baseadas apenas em cenas de ação, furos de roteiro, eventos previsíveis, etc.
História antiga, dos tempos de adolescência.
Diálogos profundos…
Porém, isso mudou quando eu tive a ideia pra uma história chamada “Setor 29”. Não lembro exatamente porque o número “29”, mas foi a primeira vez que eu pensei: ”Ué… essa aqui parece uma história de verdade!”. Ela tinha consistência, eventos e uma complexidade muito distante das histórias que eu escrevia.
O registro mais antigo que eu tenho dela é de 1989! E claro, lendo a história hoje em dia, ela ainda tá cheia de problemas: explicações intermináveis sobre eventos que não fazem diferença na história, personagens com a mesma personalidade se repetindo, alguns buracos no roteiro, etc. O que é perfeitamente normal, porque na época eu tinha apenas 18 anos e pouca experiência.
Versão original de 1989!
Explicações em excesso que não fazem tanta diferença pra história.
Mas com boas cenas de ação!
Anglarianos se organizando.
Mas a história em si ainda é muito boa. Ainda se sustenta super bem até hoje, quase 40 anos depois. E mais: ela não era apenas uma história isolada. O Setor 29 tinha o potencial pra se tornar um universo extenso, onde várias histórias poderiam existir ali.
E claro, ao longo de todo esse tempo, esse universo foi lapidado. Enriqueci os personagens, tapei os buracos no roteiro, refinei situações, mudei muita coisa. Mas o miolo da história principal ainda é o mesmo. Confira abaixo algumas imagens de como anda a história Setor 29 hoje em dia. Muito do que está aqui, não existia na versão original.
A nave Valkyria em direção a uma colmeia (um dia eu explico)
Yuri é um piloto de testes de uma nave experimental.
Esta é a nave experimental que ele pilota.
Soldados anglarianos não estão pra brincadeira!
Agente Nisi também não está pra brincadeiras hoje!
Agente Nisi encarando um inimigo à sua altura.
Almirante
Almirante
Pilota anglariana.
Professor e sua turma parando em uma blitz
Professor é dono de um ferro-velho.
Então, dentro da história, este “Setor 29” é o setor da galáxia de Anglaria que se rebela contra o governo central, se tornando independente. Porém, este era um setor muito produtivo, assim o governo central fica tentando reaver essa parte importante da galáxia, enquanto eles tentam manter a independência. Este é o pano de fundo geral. Em cima dele, existem os eventos que formam a história chamada “Setor 29”: Existe um mineral que já foi largamente utilizado pela indústria, mas com o tempo, foi abandonado e substituído por novas tecnologias. Anos depois, os anglarianos inventam novas técnicas que usam esse mineral de forma muito diferente. Agora eles precisam acessar as minas onde tem reservas deste mineral e a partir daí a história começa a se complicar. Lembrando que os anglarianos são os vilões.
Obviamente tem aí uma influência muito forte do Star Wars, mas também outras referências, mais precisamente o seriado Patrulha Estelar (Yamato – Star Blazers), que era o meu favorito na adolescência.
Patrulha Estelar – melhor desenho da época!
É uma história muito divertida, com muitas cenas de ação e daria um filme fantástico. Quem sabe um dia eu consiga financiamento pra concretizar?
Mas além dessa história inicial, várias outras histórias foram escritas neste universo. Os meus filmes The Gapvoid e Termal Nìvel 5 são duas histórias que se passam neste universo. Inclusive, no Termal Nível 5 tem citações sobre o conflito no Setor 29.
Então, no final das contas, “Setor 29” é um nome muito importante pra mim. Foi um divisor de águas na minha vida, porque foi a primeira vez que percebi que eu poderia fazer uma história consistente. A partir dali que eu ganhei confiança e passei a valorizar o que eu escrevia. Quando montei minha empresa, este nome me pareceu mais do que o ideal.